Seguindo a tradição, o Brasil “iniciou os trabalhos” e realizou a abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU. O discurso incisivo de Dilma citou o programa de espionagem dos Estados Unidos e outros assuntos como, por exemplo, a inclusão de países em desenvolvimento nos assentos permanentes da instituição, a fim de se reduzir o déficit de representatividade e legitimidade vigente.
Independentemente do tom eleitoreiro e despertador de patriotismo do discurso de Dilma, e do momento oportuno para esse caso vir à tona (desviando a atenção da opinião pública brasileira do julgamento do mensalão), uma reação enérgica e retaliativa ao monitoramento de informações pela agência de segurança nacional americana (NSA) se fez imprescindível.
Citando a violação dos direitos humanos, da privacidade e do direito internacional, a afronta à soberania e à liberdade civil, e que sem respeito não há democracia, Dilma criticou a ingerência americana, sem que as principais autoridades da delegação dos EUA estivessem presentes no auditório da sede da ONU, em Nova York.
Coincidentemente ou não, os secretários e embaixadores de Obama só chegaram ao final do discurso, e um pouco antes do discurso de Obama. Tal falta de etiqueta foi acrescentada à pouca relevância dada ao assunto por parte dos EUA. Como explicado pela especialista Sabrina Medeiros, “as agendas dos dois países são conflitantes e a pauta americana priorizou as questões nucleares”.
O recado foi dado: o argumento de que a “interceptação ilegal de informações destina-se a proteger as nações contra o terrorismo” não se sustenta. Somos um país democrático e que há 160 anos resolvemos nossas diferenças pacificamente.
Espionar assuntos estratégicos da presidência brasileira e da Petrobras traduz-se como uma tentativa de obtenção de vantagens comerciais oriundas do país que tem a liberdade de expressão, do ir e vir e a democracia; não só em sua exaustiva retórica oficial, mas em toda a sua postura e cultura popular.
A imensa lacuna entre as ações e o discurso é motivo de indignação e intolerância em toda a comunidade internacional. No discurso, pregam-se o neoliberalismo econômico e os direitos humanos; na prática, ações comerciais protecionistas nas fracassadas rodadas iniciadas em Doha, nos painéis da OMC, e violação do direito de privacidade de empresas privadas e cidadãos civis.
Como foi frisado por Dilma, essa questão da espionagem transcende a relação bilateral dos dois países e é uma questão relevante ao Conselho de Segurança da ONU, para que não haja deterioração de relações diplomáticas multilaterais futuras. Cabe a nós a aprovação de leis e mecanismos de proteção e a manutenção de uma bem-sucedida relação com a maior economia mundial.
Em visita ao Brasil em 2011, Obama ressaltou explicitamente a intenção de intensificar o relacionamento comercial com o Brasil, principalmente após a descoberta do pré-sal.
A histórica relação de amizade com nosso principal parceiro comercial não pode ser fundamentada com tamanha diferença entre a retórica e prática, e sim com colaboração mútua e cooperação entre as duas nações amigas.
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