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Opinião: IoT e desigualdade digital: quem lidera e quem fica para trás?

Créditos: divulgação

Por Vander Fábio Silveira*

A chamada Internet das Coisas (IoT) já é parte concreta da nossa vida e dos negócios. Segundo a Statista, o mundo superou os 15 bilhões de dispositivos conectados em 2023, e esse número pode dobrar até 2030. No Brasil, a Anatel registrou, em 2022, mais de 27 milhões de conexões máquina a máquina ativas, com crescimento acelerado impulsionado pelo 5G. Mas nem todos estão preparados para essa revolução.

A grande pergunta é: quais setores estão realmente prontos para aproveitar as oportunidades da IoT? A resposta é menos simples do que parece. Embora a tecnologia prometa ganhos de eficiência, redução de custos e novos modelos de negócio, desafios persistem: infraestrutura, cultura organizacional, segurança e desigualdade no acesso.

O setor industrial lidera a adoção da IoT, com sensores em máquinas, monitoramento preditivo e integração com inteligência artificial. Algumas plantas já operam como "fábricas autônomas". Pesquisa da McKinsey mostra que a IoT pode reduzir em até 30% os custos de manutenção e aumentar a produtividade em 10%. No Brasil, montadoras e farmacêuticas estão na vanguarda. Mas a distância entre grandes corporações e pequenas indústrias é crescente. Muitas ainda operam com equipamentos antigos, sem qualquer capacidade de conexão ou integração digital.

No agronegócio, a IoT desponta como solução para produtividade e sustentabilidade. Sensores monitoram umidade do solo, colares inteligentes acompanham o gado e sistemas ajustam a irrigação automaticamente. Em fazendas de Mato Grosso e Minas Gerais, esses recursos já economizam até 60% da água usada, segundo a Embrapa. No entanto, a conectividade rural é um gargalo gritante: mais de 70% do território rural brasileiro não tem acesso adequado à internet, conforme estudo da CNA e Esalq/USP.

Relógios inteligentes, sensores implantáveis e telemedicina transformam o cuidado com a saúde. Durante a pandemia, hospitais com recursos de IoT reduziram internações desnecessárias e atenderam regiões isoladas. Mas o setor também enfrenta um dos maiores desafios: a segurança dos dados. Vazamentos em dispositivos de saúde comprometem a privacidade e podem gerar riscos reais à vida. Enquanto Alemanha e Canadá avançam com regulações robustas, o Brasil ainda engatinha na cibersegurança em dispositivos médicos.

A cadeia logística talvez seja o exemplo mais visível da IoT em ação. Rastrear cargas em tempo real, monitorar temperatura, vibração e abertura de contêineres, otimizar rotas com base em sensores já não é diferencial — é o mínimo esperado. A DHL estima que a IoT pode gerar até US$ 1,5 trilhão anuais em eficiência até 2025. No Brasil, e-commerces e grandes exportadores do agro lideram a adoção. Pequenas transportadoras, por outro lado, sofrem com o alto custo inicial e a lenta percepção de retorno.

A IoT não é privilégio das grandes empresas. Restaurantes usam sensores para monitorar freezers e evitar perdas. Oficinas utilizam dispositivos conectados para diagnósticos mais rápidos. Startups desenvolvem soluções residenciais de detecção de incêndio com resposta autônoma. O modelo "IoT como serviço" (IoT as a Service), com assinaturas mensais, facilita o acesso de pequenos e médios negócios à tecnologia.

Apesar dos bons exemplos, quatro grandes barreiras seguem limitando a expansão da IoT no Brasil: o custo de implementação, a desigualdade no acesso à conectividade, a vulnerabilidade à ataques cibernéticos e a falta de profissionais qualificados para transformar dados em estratégia. Em 2022, a Kaspersky registrou aumento de 87% nos ataques a dispositivos IoT. Enquanto isso, muitos profissionais ainda veem a IoT como um modismo, e não como uma competência essencial.

China e Estados Unidos puxam a corrida mundial. Cidades chinesas já operam semáforos inteligentes integrados ao fluxo em tempo real. Nos EUA, hospitais conectam dispositivos vestíveis aos planos de saúde, com impacto direto na sinistralidade. O Brasil avança, mas de forma desigual e com iniciativas pulverizadas. Falta uma estratégia nacional clara para massificar a IoT com foco em inclusão.

A IoT precisa deixar de ser tratada como tecnologia de ponta para poucos e passar a ser vista como ferramenta de valor estratégico nacional. Indústria e agro lideram, mas é na saúde e na logística que a tecnologia pode mudar vidas. A grande pergunta que fica é: vamos democratizar o acesso à IoT com segurança e educação, ou torná-la mais um fator de desigualdade tecnológica e econômica? A forma como responderemos a essa questão definirá não apenas a competitividade dos setores produtivos, mas também a inclusão digital do país.

Vander Fábio Silveira, doutor em Engenharia de Energia, é coordenador do curso de Ciência e Tecnologia da Faculdade Donaduzzi.


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